1-
Qual o caminho que foi trilhado da prática para a teoria? Como você desenvolveu
esse manual de roteiro?
Este
manual teve origem nos cursos de roteiro que venho dando há muitos anos. A análise
e o desenvolvimento dos roteiros dos alunos tem sido uma experiência fantástica,
um verdadeiro laboratório sobre os problemas de roteiros, principalmente porque
são de autores que apenas se iniciam no ofício. Achei que valia a pena colocar
esse aprendizado num livro. Sugeriram-me fazer uma apostila para ser fornecida
aos meus novos alunos mas eu resolvi fazer um livro que tivesse uma utilidade
mais geral.
2-
Você procurou seguir a linha de algum autor que escreve manuais de roteiros para
desenvolver o seu? Ou você acredita ter criado um método inteiramente pessoal?
Esses
procedimentos para desenvolver roteiro foram codificados pelos norte-americanos,
é mais uma faceta da postura pragmática que cria métodos de know-how para praticamente
tudo. Tive uma grande influência de John Howard Lawson, que era o favorito de
meu professor em Pittsburgh, Arthur Wilmurt. Lawson é o responsável pela sugestão
básica de desenvolver o roteiro em termos de seu clímax. Mas naturalmente uso
elementos de outros autores - Field, Vogler, Seger, Egri, etc. - para compor uma
síntese do que eu acho mais eficiente e mais capaz de auxiliar o novo roteirista.
3-
Você diz no livro que o Syd Field não recomendava nenhum manual de roteiro a não
ser os dele. O que o seu livro acrescenta em relação aos outros livros do gênero?
Field
quis dizer que, para quem quer escrever roteiro, basta uma só orientação teórica;
o que importa, a seguir, é a prática de escrever e reescrever os roteiros. Isso
faz sentido porque quase todos os manuais de roteiro norte-americanos são muito
parecidos pois se baseiam, com pouquíssimas exceções, sobre a estrutura dramática
tradicional. Não sei se ele tem razão; acho que a consulta a vários autores, falando
sobre a mesma coisa com terminologias diferentes, pode ser útil para esclarecer
pontos pouco nítidos em algum deles. Tentei contribuir fazendo, como disse, uma
síntese visando a eficiência.
4-
Que aspectos específicos da cinedramaturgia e da teledramaturgia brasileiras são
abordados no seu livro?
Nenhum.
Meu livro não pretende analisar nenhuma cinemadramaturgia nem nenhuma teledramaturgia
específica porque não pretende estudar, a posteriori, nenhuma cinemadramaturgia
nem nenhuma teledramaturgia já criadas. Isso é assunto de críticos e dissertações
acadêmicas. Nós tratamos dos problemas que se apresentam a priori, ao roteirista
diante da folha em branco.
5-
Em que medida o acesso maior que as atuais gerações têm a manuais de roteiro como
o seu e tantos outros mudou a cara e o estilo dos roteiros que vêm sendo escritos
de uns tempos para cá?
Mudou
muito, não só devido aos livros mas aos cursos também. Os roteiros simplesmente
ficaram melhores. Lembro que se dizia, antigamente, que um dos principais problemas
do cinema brasileiro era de que não tinhamos roteiristas e que, em conseqüência,
os roteiros dos filmes não eram bons. Não se pode mais dizer isso. Ficou demonstrado
também que a maior qualidade dos roteiros resulta numa maior qualidade dos filmes
prontos.
6-
Você acha que um bom roteiro pode ser tão ou mais intenso do que a peça ou o filme
montados?
Há
diferentes tipos de "intensidade" artística, não se pode comparar. A intensidade
da leitura é uma, literária; a intensidade do espetáculo é outra, cênica. Um bom
roteiro pode ser uma peça literária, com eficiência plena, ao ser lido. Mas seu
objetivo fundamental não é esse e sim o de fornecer o ponto de partida para a
criação do filme. Se um roteiro for tão bom lido quanto transformado em filme,
estará cumprindo dois objetivos distintos - além de ter servido como fundamento
para o filme, ainda por cima é boa literatura!...
7- O que você pensa da subversão do iron check e do
golden check de Samuel Selden, com a troca da ordem de, por exemplo, ação antes
do problema, complicação antes da exposição etc. Em que isso pode afetar a estrutura
dramática de um roteiro?
A
troca de ordem dos momentos da estrutura dramática tradicional é um procedimento
artístico válido, conforme pode ser verificado num grande número de filmes. Como
diz Godard, o filme tem de ter começo, meio e fim, mas não necessariamente nessa
ordem. O fundamento é a estrutura dramática tradicional; o que cada artista faz
com ela depende de seu talento, criatividade, arrojo, etc. Mas é preciso tomar
cuidado: nos menos dotados ou mais ignorantes, a troca de ordem costuma resultar
apenas em algum tipo de porcaria.
8-
No que o seu livro contribui para ajudar os roteiristas a tornarem os subplots
tão ou quase tão interessantes quanto a trama principal de uma história?
Ora,
se você sabe armar a trama principal, é evidente que sabe também armar as tramas
secundárias. Para que essa pergunta não atrapalhe os principiantes, é preciso
lembrar que a espinha dorsal do roteiro é a trama principal e a ela o roteirista
deve dedicar sua atenção; as tramas secundárias virão como um desenvolvimento
natural. Preocupar-se primeiro com os subplots é botar a carroça na frente dos
bois.
9-
O que você poderia dizer sobre um comentário do escritor americano Wycliffe A.
Hill, citado no seu livro, de que apenas a posse de alguma coisa, a necessidade
de se livrar de algo e a vingança são desejos capazes de gerar uma trama? Até
que ponto esse conceito é ou não limitado?
Procuro
deixar claro no meu livro - e não me cansarei em tentar esclarecer um ponto muito
importante: um método de roteiro não é uma estética normativa, não é um critério
de aferição de valores artísticos. É apenas um procedimento para a execução de
uma tarefa. Trabalhar com ações determinadas pelo desejo de posse de alguma coisa,
pela necessidade de se livrar de algo ou de vingança, oferece possibilidades de
rendimento dramático, é um procedimento que funciona, porque manifesta a própria
essência do drama, que é a vontade. Por outro lado, trabalhar preferencialmente
com elementos líricos e épicos, é um desafio mais dificil; e, portanto, não considero
aconselhável aos iniciantes.
10-
O que muda num roteiro quando seu autor parte do clímax da história para desenvolver
todo o resto de uma trama?
Este,
conforme Lawson, revelou, é o procedimento mais prático. Sempre dá certo. Alguns
alunos me contestam, em aula: "mas, professor, vi um filme ótimo que não tinha
clímax..." OK, respondo, e daí?... Se você nasceu com talento bastante para fazer
um filme ótimo sem clímax, parabéns: você não precisa nem de aula de roteiro nem
de livro sobre roteiro. A unidade em função do clímax é um método para o comum
dos mortais.
11-
E o que muda num roteiro quando o autor baseia toda a sua estrutura no perfil
de um personagem que ele julga ser carismático?
Acontece
o que é admitido pelo próprio Lajos Egri, o húngaro que desenvolveu um método
de composição dramática baseado na criação dos personagens: você tem de acabar
estabelecendo uma estrutura em termos de clímax. É a história do ovo ou da galinha,
quem nasceu primeiro? Se você começa com a estrutura, depois tem de compor os
personagens - e vice-versa.
12-
O que você acha de alguns blockbusters do atual cinema americano, como O Senhor
dos Anéis e Matrix Reloaded estarem terminando com o "continua no próximo episódio"?
Não
vi esse novo Senhor dos Anéis porque não gostei do primeiro. Mas, em compensação,
adorei o primeiro Matrix. Na verdade, Matrix Reloaded e Matrix Revolution são
um roteiro só, muito comprido, cuja história está sendo apresentada em duas partes.
Matrix Reloaded termina exatamente no meio dessa história - no Midpoint,
na teminologia de Syd Field, ou na Suprema Provação, na teminologia de
Christopher Vogler, tirada de Joseph Campbel. O clímax dessa história só surgirá
no último filme - a revolução vitoriosa dos seres humanos contra o super computador.
Ou seja: a resolution scene, de Field, ou a ressurection, de Vogler.
13-
Quem são os grandes roteiristas da história da dramaturgia na sua opinião? E no
Brasil, quem você destacaria?
É
tanta gente... Não vou destacar ninguém porque acho contraproducente para o jovem
roteirista se apegar a modelos geniais. Ele deve estudar os roteiros dos outros
para verificar o que funcionou e o que não funcionou, mas não deve imitá-los;
deve, ao contrário, criar seu próprio estilo, sua própria linguagem, seu próprio
jeito. Fim
|